quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Compaixão

Lucas 10: 30 – 37

30 Um homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu nas mãos de salteadores, os quais o despojaram e espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto. 31 Casualmente, descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e vendo-o, passou de largo. 32 De igual modo também um levita chegou àquele lugar, viu-o, e passou de largo. 33 Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou perto dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão; 34 e aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho; e pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. 35 No dia seguinte tirou dois denários, deu-os ao hospedeiro e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que gastares a mais, eu to pagarei quando voltar. 36 Qual, pois, destes três te parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? 37 Respondeu o doutor da lei: Aquele que usou de misericórdia para com ele. Disse-lhe, pois, Jesus: Vai, e faze tu o mesmo.

Saramago, em seu livro “Ensaio sobre a cegueira” nos leva a uma reflexão interessante ao descrever a cena de um cego que guiava outros cegos. Nesta ficção a humanidade é contagiada por um vírus que ataca a visão, e para evitar a disseminação da doença, as primeiras pessoas contagiadas são levadas para um local de isolamento. Neste local não havia condições, nem pessoas que orientassem os infectados, por isso viviam de forma precária. Para nós é importante destacar a cena que descreve um cego guiando uma fila de outros cegos, quando de repente uma pessoa faz algo absurdo, então a segunda pessoa da fila, um senhor, fala: “Só pode ser um preto mesmo”. Este homem não sabia que ele estava sendo guiado por um negro. O guia era uma pessoa de pele negra, mas a cegueira impedia que o racismo se manifestasse, todavia a suposição o demonstrou muito bem. José Saramago uma pessoa que não acredita em Deus (Ateu) nos leva a uma reflexão interessante.

Jesus Cristo, o mestre dos mestres, na parábola do bom samaritano, descreve muito bem o sentido do “cegar-se”, mas Ele consegue ir além ao nos levar a ação de esvaziar-se. Ele nos faz pensar que devemos olhar para os outros com os “óculos” do amor, da compreensão, da compaixão. A empatia se revela no “amar ao próximo como a si mesmo”, mas isso é algo dificílimo para o ser humano.

Quantas vezes olhamos para o próximo e vemos a Cristo em seu semblante? Ou pelo menos uma pessoa que precisa urgentemente de Deus, alguém por quem Deus deu o seu único filho? Quantas vezes olhamos para a aparência, a roupa que está usando, se está limpo ou sujo? Quantas vezes olhamos para as pessoas sem os óculos do preconceito ou com os olhos cheios de compaixão?

Você já parou pra pensar que temos a mania de escolher para quem devemos falar de Deus? Às vezes olhamos para as pessoas e dizemos: “Não, aquele ali nunca vai ser crente em Jesus Cristo, mas aquele outro ali sim, aquele tem tudo para ser um bom Cristão.” Isso já ocorreu com você. Bem, comigo já, por algumas vezes. Temos essa mania de julgar as pessoas pelo que vemos, mas só Deus conhece os corações e é isso que Ele procura, pessoas que o adorem em espírito e em verdade, e como Ele é espírito, somente Ele pode julgar a intenção de cada um.

É interessante perceber que quando Jesus realizava milagres ele olhava para as pessoas com compaixão (Mt14:14; 15:32), e não com preconceito. A visão de Cristo em relação ao homem, mesmo sendo o Filho de Deus, não era de condenação, mas de libertação. Como um pai que vê o seu filho em uma prisão, sofre por isso, e percebe que precisa libertá-lo, Jesus percebia a real necessidade de cada ser humano e investia seu tempo naquilo.

Certo dia Jesus deixou a Judéia em direção a Galiléia, mas para ir de uma cidade a outra era necessário que passasse por Samaria. Chegando em Sicar, uma cidade na região de Samaria, encontrou com uma mulher samaritana junto a fonte. Ele lhe pediu água, o que causou certo espanto na mulher, pois como um judeu falaria com uma samaritana, principalmente alguém que foi casada por diversas vezes? (Jô 4:5 -14). Ele não olha para a mulher como alguém que é de outro povo ou como alguém que já teve cinco maridos, mas como uma pessoa que tinha sede, e não tinha o que beber. O interessante nessa passagem é que Jesus deixa de lado toda tradição judaica, quebra paradigmas e causa transformação. Um novo vinho surge e com sabor de amor, mas alguns não entendiam, pois isso já está arraigado em suas mentes e em seus corações e para que haja compreensão de tal atitude é necessário o despir-se de seus preconceitos, tradições, do seu “eu acho, eu penso”. A visão micro ganhou uma nova dimensão, tornou-se macro. O amor de Deus começa a se manifestar a toda humanidade e então começamos a entender o que é esquecer-se do passado, de quem somos e jogar tudo isso no mar do esquecimento, começar uma nova vida e assim viver em Cristo, no amor de Cristo.

Às vezes somos autopiedosos, e esquecemos de exercer a piedade com o próximo. Olhamos para as nossas dores, ansiedades, aflições, mas não olhamos para dentro, mas quando fechamos os olhos do preconceito começamos a enxergar o outro como Deus o enxergou e passamos a nos conhecer por dentro, mas isso só é real quando nos aproximamos de Cristo e a sua luz nos deixa cegos e logo abre os nossos olhos para quem somos de verdade, então ao percebermos a sua presença reconhecemos o quão pequeno somos, entendemos o quanto agimos com egoísmo ao nos preocuparmos com o nosso e nos esquecemos da dor do outro. Isso se mostra pelo simples fato de que falamos muito mais do que ouvimos. Qual foi o último dia que paramos para escutar a dor do outro, ou pelo menos, em nossos momentos devocionais, orar pelo sofrimento alheio?

Certo dia Jesus escuta uma voz “Cristo, filho de Davi, tenha compaixão de mim” (Mt 15: 24-30). Ao olharmos a resposta de Jesus nos assustamos, pois ele fala: “Eu vim para resgatar as ovelhas perdidas da casa de meu Pai... Não é licito tirar a comida dos filhos e dar aos cachorros...” Se não analisarmos o contexto nos equivocaremos e veremos Jesus com certa “dureza”, no entanto isso não acontece, ele sempre nos surpreende, pois conhece o nosso intimo, o nosso interior. Quando essa mulher clama por Jesus ela usa um termo judaico para chamar a sua atenção, porém ela é Cananéia, ou seja, ela tenta ludibriar a Jesus, mas o mestre não se engana. Ele começa a conversar e ela se desfaz da sua máscara, reconhece quem realmente ela é, se humilha diante Dele e recebe o que almejava. Precisamos nos desfazer das nossas máscaras e chegar diante do Pai com o coração aberto, rasgar o nosso coração diante dele e nos reconhecermos como pó e que dependemos da Sua presença em nossas vidas.

Já pensou em algo assim, olhamos para o outro cheio de preconceito, mas nunca para o que realmente somos?

Quando começarmos a buscar a Deus com todo o nosso coração, com toda força e todo entendimento, o conheceremos mais intimamente e, quanto mais o conhecemos mais reconhecemos que necessitamos do Pai, então a nossa visão horizontal passa a ser empática ao invés de critica. Nos entenderemos como um, como iguais mesmo como todas as nossas diferenças, enfim, pecadores, necessitados da tão grandiosa e maravilhosa graça divina, a qual encontramos em Cristo o único Senhor e salvador.

“O ideal não é que sejamos cegos, mas que sejamos vazios de nós mesmos.”

“Por isso quem quiser vir após mim pegue a sua cruz e me siga” Lc 9.23

Alcindo Rocha – Cidão... Em cristo, sempre dulos.

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